sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

História com "H" - Especial

ele era viciado nos quadrinhos do Calvin & Haroldo...


Conheci o Michel em outubro de 1998. Na ocasião, ele me salvou de ser atropelado por um caminhão desgovernado, na rua principal da cidade (Leme). Viramos amigos na hora. Assim como eu, ele entendia muito bem como era ser um “estranho no ninho”, um alguém sem importância numa cidade desconhecida do resto do mundo e cheia de pessoas com cérebros de tamanho diminuto. ‘Seu’ Rubens, o pai dele, havia morrido recentemente e deixou metade do controle do restaurante da família e da herança que acumulou em mais de 30 anos de trabalho para o Michel. Ele não ligava muito para isso. O sócio do seu pai cuidava do restaurante. O Michel só aparecia nos finais de semana para ‘fazer uma presença’ com as pessoas influentes da cidade que davam as caras por lá.

A irmã mais velha dele, Melissa, ficou com a outra metade da herança. Na primeira oportunidade que teve, se mandou para Curitiba e nunca mais deu notícias. Eles não se davam tão bem. Mal se falavam, mas tinham muito respeito um pelo outro.

A casa da família, um sobrado enorme num bairro silencioso e afastado do centro, ficou, de comum acordo, com o Michel. Dona Maysa, sua mãe, morreu quando ele tinha 5 anos, de câncer. Ele pouco falava dela. Eu sabia que ele guardava uma foto dela na carteira, foto essa tirada no seu quarto aniversário, num parque de Belo Horizonte (cidade natal da família). Nunca tive coragem de perguntar alguma coisa sobre ela ou sobre a relação deles. Como ele também não falava muito, eu não insistia.

Em agosto de 2000, depois de uma proposta irrecusável, ele vendeu a sua parte no controle do restaurante e começou a trabalhar meio expediente num escritório de advocacia. Mas a sua doença (bipolaridade) e a rotina o faziam cada vez mais se fechar em um mundo particular. Logo, perdeu o emprego e a motivação para tudo. O caminho tortuoso das drogas já o acompanhava há bastante tempo. E era uma das únicas coisas que o mantinha de pé. A outra, era a nossa amizade.

Algum tempo depois de nos conhecemos, ele me apresentou aos seus amigos. Um grupo de aproximadamente 20 pessoas, cada um com sua particularidade, porém, sofrendo do mesmo mal: a solidão. Sim, era isso que nós éramos para as outras pessoas: um bando de solitários, sem importância alguma. Não demorou muito para começarmos a nos chamar de “Sociedade da Solidão”, ou, simplesmente, “S = S”. Tínhamos até camisetas! Era um grupinho como outro qualquer. Não existia um líder unânime. Mas tínhamos nossas richas. Dois sábados por mês, sempre à noite, usávamos o cemitério da cidade como nosso QG. Geralmente só contávamos histórias de terror, bebíamos e conversávamos. Até o coveiro virou ‘parceiro’ do grupo. Foram grandes momentos da minha vida.

O Michel nasceu prematuro de 7 meses a exatos 30 anos, em 27 de fevereiro de 1979. Com pouco peso e vários problemas (pulmonar e cardiovascular), o médico já havia avisado a família sobre a possibilidade de não sobrevivência. ‘Seu’ Rubens ficou tão desesperado que praticamente montou acampamento na sala de espera da maternidade. Depois de mais de 20 dias de tratamento e cuidados redobrados, ele recebeu alta. Cresceu saudável, recebeu uma educação satisfatória para as condições da família. Mesmo sem muito esforço, se destacava em quase tudo que fazia. Terminou a faculdade de Direito em 2000, aos trancos e barracos é verdade.

Gostava de pão de queijo e chocolate, vinho de garrafão e chopp. Adorava carros. Onde quer que ele estivesse, gostava de acordar cedo para ver o sol nascer, enquanto murmurava “Obrigado”. Certa vez, quando uma de suas ex-namoradas terminou com ele dizendo “você é sensível demais pra mim!”, ele retrucou: “se eu me cortar, sairá sangue e não areia das minhas veias!”. Teve uma filha (Rebeca) no final de 2000, que hoje mora com o tio materno em Brasília.

Morreu na madrugada do dia 25 de março de 2001, literalmente nos meus braços, depois de me salvar novamente e receber 7 tiros no peito.

Foi o melhor amigo que tive na vida. Em algumas situações, foi um verdadeiro pai. Parabéns meu amigo...
H ("Faça da sua ausência o bastante para que alguém sinta sua falta, mas não prolongue-a demais para que esse alguém não aprenda a viver sem ti." (Anônimo))

Um comentário:

The Owl disse...

Nem tão estranho assim. Eu escrevi o post e não sabia que imagem colocar, aí lembrei da imagem do seu. Desculpe pelo "plágio"..rs

Bonita e triste sua história com o Michel. Eu nunca tive uma amizade assim, então nem posso imaginar como seria perdê-la..